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8 de julho de 2014

O despudorado assalto ao BES pelo PSD 

Por Ana Gomes


Na semana passada, em nota prévia, eu disse aqui ser contra a nacionalização do BES: era o que mais faltava! - sermos nós, os contribuintes, a pagar mais uma vez (como pagamos, com língua de palmo BPN e BPP ) pelos desmandos, crimes, incompetência e ganância na banca privada e num grupo privado, ainda que seja o "banco do regime".

Há uma semana eu também disse não partilhar dos elogios por aí se têm ouvido ao Banco de Portugal e ao Governo, porque não fizeram o que era devido e quando era devido. E o que era devido era, no mínimo, accionar, respaldar e exigir resultados à Justiça nas arrastadas investigações sobre submarinos e contrapartidas, Monte Branco, Furacão e, mais recentemente, sobre a privatização da EDP, em que executivos de topo do BES surgem indiciados por crimes financeiros, fiscais, de informação privilegiada e de branqueamento de capitais: soube-se apenas há dias, por um jornal, como Ricardo Salgado usou uma teia de offshores de que era titular para comprar acções da EDP e REN tirando benefícios de "inside trading" - ou seja, de Espírito Santo orelha - na privatizacao de ambas, para tal fazendo circular, ou seja, lavar, dinheiro proveniente de Angola.

O que era devido Governo e Banco de Portugal não fizeram: e estou apenas a aludir a indícios de crimes que eram mencionados na imprensa. Nada sabiam então, os cidadãos, do buracão esbulhado a Angola através do BESA, das contas falsificadas e da falência técnica a montante nas holdings do Grupo Espírito Santo. Só o BdP sabia, tinha a obrigação de saber, tanto mais que começou a escrutinar de perto o BES/GES há cerca de dois anos, quando apertaram as regras europeias de supervisão bancária. E se o BdP sabia, não pode ter omitido isso ao Governo. Sabiam, portanto, e calaram - lá ouviremos outra vez que foi para evitar o risco sistémico... Mas a verdade é que sabiam e fizeram vista grossa: o Governo até presenteou Ricardo Salgado e outros quadros do BES com amnistias fiscais a taxas obscenamente baixas, para os deixar proteger o que tinham desviado para paraísos fiscais; e o BdP, escandalosamente, manteve a chancela de idoneidade a Salgado e outros executivos do BES!!!

Também não alinho na campanha orquestrada por certa imprensa e certos comentadores avençados para louvar Primeiro Ministro e Ministra das Finanças por terem recusado o pedido de Salgado para o Estado, através da Caixa Geral de Depósitos, lhe facultar um empréstimo que salvasse o Grupo do incumprimento: é que PRimeiro Ministro e Ministra não tinham mesmo espaço para aceder - além do furor da população portuguesa, seriam linchados pela Troika post Troika (isto é, as instituições e parceiros da UE), sobretudo depois do BES/GES ter recusado financiamento do resgate para evitar justamente a inspecção da saúde financeira do Grupo.

Mas entretanto, nestes últimos dias, Governo e BdP esmeraram-se a dar-me razões para reforçar as minhas críticas: se antes, no mínimo, não fizeram o que era devido, agora reincidem no indevido. Porque é de bradar aos céus o assalto ao BES pelo PSD que engendraram.

Eu lembro a barulheira que rodeou a passagem da política para os negócios de vários políticos, alguns mesmo ao fim de vários anos fora de funções governativas.

Aqui o despudor na promiscuidade é total: Paulo Mota Pinto - pessoa por quem tenho muitíssima consideração - manda às urtigas o cargo de representante do povo na AR e as responsabilidades e incompatibilidades inerentes ao escrutineo das secretas e desliza directamente para a presidência do BES. O novo CEO, Vítor Bento, que é contra reestruturação da dívida do Estado mas vai certamente aplicar-se agora na restruturação da dívida privada do BES, manda à fava o Conselho de Estado, para onde foi nomeado por Cavaco Silva. E o novo responsável financeiro do Banco, Moreira Rato, vem disparadinho de gestor da dívida pública - aquela que foi criada pelo despesismo desenfreado instigado por Ricardo Salgado "y sus muchachos" em governantes, empresas e familias; mais aquela que é filha dela, não parando de aumentar graças à receita austericida do Governo e Troika e dos juros punitivos e iníquos que o Governo persiste em não querer renegociar.

Cereja em cima deste bolo vistoso, mas muito mal-cheiroso, é a indicação de que Vitor Bento, o putativo salvador do BES, tenciona manter por perto e em funções Amilcar Pires, o CFO braço direito de Salgado em todas as falcatruas e esquemas, especializado em paraísos fiscais e beneficiario também de amnistias fiscais...

Para além no buracão no BESA, para além dos danos na PT/OI que o BES/GES já está a causar, para além das perdas que o BES terá de absorver em resultado da reestruturação da dívida das holding Espírito Santo, resta aos contribuintes e aos depositantes no BES, por irónico que seja, ter esperança na Europa, na regulação europeia, que aperta o BdP e já aprendeu e consagrou que os depositantes serão os últimos a pagar (embora a União Bancária em preparação ainda não inclua uma garantia de depósitos).

Resta-nos esperar que - apesar do Governo português e da sua deprimente germano-subserviência - a UE esteja mesmo a mudar de orientacões, como empurra corajosamente o Primeiro Ministro italiano Matteo Renzi, que ainda ontem ripostou a um ataque do banco central alemão: "a Europa é dos cidadãos, não dos banqueiros, sejam alemães ou italianos".


(Notas da minha crónica de hoje no Conselho Superior, ANTENA 1)

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