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1 de maio de 2011

Ponto de viragem? 

Por Vital Moreira

Com o sucesso do leilão da dívida pública nacional na semana passada - que era unanimemente considerada crítica pelos observadores -, a estratégia dos que a nível interno apostavam na entrada do FMI e na provável crise política daí decorrente - como era o caso notório do PSD - sofreu um importante revés político. Com a sua determinação e firmeza, Sócrates pode ter conseguido mais uma vez "dar a volta por cima". É cedo, porém, para dar a guerra por ganha.

Não pode desvalorizar-se a posteriori o que estava em causa. Era a primeira emissão de dívida de um país "periférico" neste novo ano. Era enorme a pressão dos mercados sobre os títulos da dívida soberana portuguesa, só em pequena parte aliviada pela oportuna intervenção do BCE no "mercado secundário". A imprensa e os comentadores nacionais faziam coro no iminente recurso à ajuda financeira da UE e do FMI. Dava-se crédito a boatos não consubstanciados de que a Alemanha e a França aconselhavam Portugal a recorrer a esse Fundo (supostamente para apaziguar os mercados e aliviar a pressão sobre a Espanha) e que a preparação da operação de resgate já estava em marcha.

Forte da sua firmeza e dos resultados preliminares da execução orçamental de 2010, Sócrates resolveu desafiar os mercados, e venceu. Não faltaram depois os despeitados a tentarem subestimar o êxito da operação, esquecendo o que eles próprios tinham dito antes. Mas os mercados financeiros reagiram bem, com descida das taxas de juro e do índice de risco da dívida nacional. O euro subiu e Bruxelas respirou de alívio, com o relativo desanuviamento da situação, que já ameaçava contaminar a Espanha, a Itália, a Bélgica e a própria França. Nos dias seguintes, as emissões de dívida da Espanha e da Itália correram igualmente bem, reforçando o sentimento de que a fase crítica tinha passado.

Por iniciativa da Comissão Europeia, foi entretanto lançada a ideia de reforçar os meios e de ampliar o escopo do mecanismo europeu de ajuda financeira, possibilitando a sua intervenção direta nos mercados da dívida, criando assim um meio preventivo expedito de assistência a um país sob excessiva pressão dos mercados. Se tal se concretizar, a resistência portuguesa pode ter também marcado um ponto de viragem na resposta europeia à ameaça de crise da dívida dos países periféricos, e do próprio euro.

Obviamente, o êxito registado não afasta o perigo de uma crise da dívida nacional. As necessidades de financiamento deste ano (cobertura do défice orçamental e substituição de dívida vencida) são elevadas. Se os juros não baixarem, os encargos orçamentais da dívida aumentam excessivamente, tornando mais difícil a meta da redução do défice. Para além das novas respostas encontradas a nível da UE, tudo vai depender internamente de duas condições essenciais: primeiro, rigorosa execução orçamental, a fim de reduzir o défice; segundo, perspetivas de estabilidade e de capacidade de decisão política.

Não pode haver ilusões sobre o impacto negativo da instabilidade e da incerteza política sobre a credibilidade da consolidação orçamental. Como referia ontem o Financial Times, citando um operador financeiro a propósito dos riscos da própria Bélgica (agora também colocada na mira dos mercados e sob impasse governativo desde as eleições de Junho passado), "chega o momento em que os mercados desejam mais estabilidade política". É também sabido como na Irlanda a crise da dívida foi ajudada pelo temor de uma iminente crise política.

Ora, entre nós é notório que a nova liderança do PSD aposta na incapacidade do Governo para endireitar as contas públicas e no consequente recurso ao FMI, para lhe abrir as portas do poder. Essa estratégia é clara desde Agosto do ano passado, quando Passos Coelho exigiu condições impossíveis de cumprir por parte do Governo, para poder apoiar o orçamento para 2011. Durante meses, o PSD manteve uma deliberada dúvida sobre a aprovação do orçamento, no final obtida a troco de cedências do Governo que tornam muito mais dura a pretendida redução do défice. A prolongada dúvida sobre o desenlace orçamental relativo a 2011 foi mais nociva para a confiança dos mercados internacionais do que a própria incerteza sobre a consecução das metas orçamentais em 2010.

Para agravar tudo, nas vésperas da crucial emissão da semana passada, quando a pressão dos mercados estava no auge e quase todos jogavam no recurso à ajuda externa, via EU e FMI, o líder do PSD veio atirar petróleo para a fogueira, declarando publicamente a inevitabilidade de uma crise política caso tal se verificasse. Dificilmente se poderia fazer melhor para dificultar ainda mais a situação e para fazer naufragar a operação. (Para piorar as coisas, Cavaco Silva, na qua- lidade de candidato presidencial e de provável suces- sor de si mesmo em Belém, entendeu também aventar a hipótese de uma "grave crise política", sem contextualizar tal eventualidade. Foi um duplo passo em falso, primeiro porque não contribuiu para poupar o país a uma humilhação, segundo porque se deixou identificar com a posição do PSD.)

Com esse imprevidente "bid for power" à boleia do FMI, o PSD tornou-se politicamente refém do resultado da batalha da dívida pública. Se a esperada (e desejada) vinda do FMI foi erigida pelo PSD em evidência da derrota do Governo e em fator de abertura de uma crise política, então a eventual superação das dificuldades e o afastamento do FMI terão de ser considerados inversamente como um triunfo do Governo e uma derrota do PSD, inibindo-o de se bater pela convocação de eleições antecipadas no próximo futuro.

Os dados da grande batalha política deste ano estão lançados.

(Público, terça-feira, 18 de Janeiro de 2011)

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