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22 de abril de 2010

Não mais “couves por armas” 

por Ana Gomes


A palavra “transparência” aparece 61 vezes na Directiva 2009/81/EC sobre aquisição de equipamentos de segurança e defesa, que entrou em vigor a 21 de Agosto de 2009 e que visa aplicar-lhes os princípios do Mercado Interno, de forma a garantir que o dinheiro dos contribuintes europeus é gasto de forma mais eficiente, que as Forças Armadas dos Estados Membros ficarão melhor equipadas com os orçamentos disponíveis e que a indústria europeia terá acesso a novos mercados.
“Transparência” é o que não há no negócio da aquisição dos submarinos decidido pelo governo Barroso-Portas, como não tem havido nos contratos de aquisição de equipamentos de segurança e defesa feitos por Portugal nos últimos anos/décadas (séculos?). É a coberto da opacidade, fundada em supostos “interesse nacional” ou “segurança do Estado”, que alguns se têm locupletado à conta do Estado, com comissões e luvas, pagas por cima ou por debaixo da mesa.
As suspeitas levantadas pela aquisição dos submarinos geraram duas investigações judiciais: a respeitante às burlas de que estará eivado o contrato das contrapartidas, já com arguidos constituídos; e a respeitante a eventuais pagamentos ilegais a políticos, militares e funcionários pela adjudicação do contrato aos fornecedores alemães. As investigações portuguesas despertaram a Justiça alemã, que até já fez presos, por suspeitas de corrupção de agentes do Estado português e por burla e falsificação.
Além das responsabilidades criminais que cabe à Justiça apurar, há as responsabilidades políticas e as consequências práticas a tirar para diminuir os prejuízos do Estado, designadamente através da denúncia ou renegociação dos contratos em incumprimento. E passando-se já a aplicar as novas regras europeias, minimizar-se-ão os riscos de corrupção. “Transparência” é, pois, a palavra-chave.
Por isso, comecemos por exigir a publicação pelo Ministério da Defesa dos três contratos em que assenta o negócio dos submarinos:
1 – O contrato de fornecimento dos submarinos, firmado entre o GSC - German Submarine Consortium e o Estado português. À conta deste contrato, o GSC já terá recebido cerca de 75% do preço dos submarinos, estabelecido num total de 880 milhões de Euros, embora o Estado só este ano deva começar a pagar o montante de 1.210 milhões de Euros que lhe deverão custar os dois submarinos - graças ao esquema de “leasing” acordado entre o Governo Portas-Barroso e um Consórcio Financeiro em que pontifica a ESCOM (ou seja, o GES - Grupo Espirito Santo). ESCOM essa que, note-se, o GSC havia contratado para o assessorar na negociação com o Estado português.
2 – O contrato das contrapartidas, assumidas pelo GSC perante o Estado, implicando contratos de exportação e de transferencia de tecnologia em benefício de indústrias portuguesas. No montante de 1.210 milhões de Euros, mas prevendo uma penalização por incumprimento escandalosamente restrita apenas a 10% do total. Um contrato que, a menos de dois anos do fim do prazo, se encontra a 25% em nível de execução.
3 – O contrato de financiamento do esquema de “leasing” acordado entre o Estado Português e o Consórcio Financeiro engendrado pela ESCOM, segundo o qual Portugal deverá começar a pagar os submarinos neste ano (uma prestação de 55 milhões de Euros), devendo - a crer na Lei de Programação Militar - acabar em 2023, perfazendo um total de 1.210 milhões de Euros.
Importa não limitar a transparência e análise pública aos submarinos: há pelo menos dois outros contratos de aquisições militares, de valor somado equivalente ao dos submarinos, em que as contrapartidas também estão por cumprir: os das Pandur da Styer, no valor de 516 milhões de Euros (por cumprir em 88%) e dos aviões C-295 EADS-CASA, no valor de 460 milhões de Euros (por cumprir a 99%).
Este padrão de sistemático incumprimento das contrapartidas deve levar-nos a reflectir sobre o que está errado no processo de aquisição de equipamento militares. E há dois principais problemas de raiz:
- Primeiro, a selecção dos equipamentos prioritários, tendo em conta os recursos disponíveis. Não é possível continuar a deixar cada ramo das Forças Armadas determinar quais os equipamentos a comprar e deixar o Estado continuar a ir às compras sem qualquer racionalidade económica (não incluindo encargos de manutenção ou sem procurar economias de escala), ou ainda sem racionalidade operacional (260 Pandur para quê?). O MDN, o PM e o PR têm assento no Conselho Superior de Defesa para nele exercer as suas competências políticas, não para se quedarem a ver passar...submarinos. A prioridade deve ser dada ao equipamento indispensável para Portugal cumprir adequadamente as missões que assume no quadro das alianças em que se integra. De que serve ficarmos com dois submarinos se não chegam para patrulhar os nossos mares (a própria Marinha definiu um mínimo de 3) e se não houver dinheiro para os por a navegar? E como justificar que se continuem a mandar militares para o Afeganistão ou outras missões de risco sem o mais adequado equipamento?
- Segundo, as contrapartidas devem ser abandonadas, tanto mais que são desaconselhadas pela NATO por facilitarem a corrupção e pela UE por, além disso, falsearem as regras da concorrência. Mas, enquanto continuarem, não podem ser deixadas na mãos do MDN. Se visam compensar a economia nacional trazendo inovação tecnológica a determinados sectores industriais, é o Ministério da Economia quem deve negociar os contratos e zelar pela sua execução, eventualmente através de uma Comissão de Contrapartidas com novo modelo organizativo.
Como disse o Ministro da Defesa em Dezembro passado, trata-se de acabar com as trocas de “couves por armas”. E de nos valermos da transparência para armar o Estado contra a corrupção e equipar melhor as nossas Forças Armadas.

(Artigo publicado no jornal PÚBLICO em 16 de Abril de 2010)

Submarinos: um negócio europeu 

por Ana Gomes

A publicação na revista "Der Spiegel" de notícias sobre os processos judiciais em curso em Portugal e na Alemanha sobre as suspeitas de corrupção, burla e falsificação rodeando a compra de submarinos e em que o Estado português é o principal lesado, levou imediatamente o Presidente da Comissão Europeia a mandar dizer que não tinha tido “intervenção directa ou pessoal” na negociação do contrato, além de participar na decisão colectiva em Conselho de Ministros.
Dos processos Somague e Casino já se conhece ao Dr. Durão Barroso este jeito de sacudir responsabilidades; ainda que, neste caso, ao sacudi-las, fique atascado na mais diminuidora irresponsabilidade – um Primeiro Ministro que não quis saber de como se fazia, como se pagaria, a mais cara aquisição feita pelo seu país em décadas... Enfim, o seu Ministro da Defesa que se defenda.... (e, com sorte, talvez consiga encontrar lá em casa, entre os milhares de documentos fotocopiados que levou do Ministério, a acta desaparecida do contrato das contrapartidas e o contrato de “leasing” onde se fixam as condições e o prazo de pagamento pelo Estado ao consórcio financeiro, engendrado pelo BES, que financiou a aquisição dos submarinos.)
Mas este é um processo que, além de responsabilidade políticas e criminais a nível nacional em Portugal e na Alemanha, pode implicar violação de normativo comunitário - incluindo das regras da concorrência, desde logo aplicáveis aos sectores industriais supostos beneficiar das contrapartidas dos submarinos. E pode questionar a integridade e transparência das contas que Portugal é suposto prestar a Bruxelas, respeitando as regras do EUROSTAT.
Em causa pode estar, também, o cumprimento por Portugal das Directivas reguladoras das aquisições de equipamento de defesa, promovidas pela Comissão e aprovadas pelo PE em 2009, que deverão ser transpostas para a legislação nacional até 2011 e que exigem a comunicação integral à Comissão Europeia de todos os dados relacionados com aquisições de equipamento de defesa. Ora o contrato para o fornecimento dos submarinos foi assinado em 2004, mas a entrega do primeiro só deverá processar-se este ano e os pagamentos - se o contrato não for entretanto denunciado ou renegociado – passarão a fazer-se a partir de 2011 por mais 12 anos, ou seja até 2023, segundo se deduz da Lei de Programação Militar.
Todos estes elementos deveriam levar o Presidente da Comissão Europeia a ordenar sem demora o desencadeamento de uma investigação da Comissão Europeia ao processo de aquisição de submarinos em que é comprador o Estado português e em que são vendedoras empresas alemãs.
Seria, antes de mais, um antídoto contra especulações sobre o seu papel neste negócio enquanto Primeiro Ministro: tudo espelhar face ao “Der Spiegel”. Seria, também, uma boa maneira de ajudar a defender os interesses e recursos do Estado português, quando a crise e o PEC impõem medidas de contenção orçamental drásticas. Seria, ainda, uma forma de ajudar toda a UE (Alemanha incluída) a combater os esquemas opacos e corruptos que têm caracterizado as aquisições militares e de incentivar o cumprimento das novas Directivas reguladoras do mercado de equipamentos de segurança e defesa. Seria, finalmente, uma boa maneira de a Comissão Europeia auxiliar Portugal a resistir a uma eventual “retaliação germânica”, esgrimida por aqueles (incluindo dois ex-CEMAs) que sustentam que Portugal deve receber os submarinos e amochar prejuízos e ofensas, com o argumento de que a denúncia do contrato seria uma “afronta à Alemanha”.
Armado de investigação comunitária e da legislação europeia na matéria, o Presidente Durão Barroso saberá fazer ver à sua apoiante e correligionária Senhora Merkel aquilo que os procuradores alemães logo toparam: que os contratos estão viciados por corrupção, falsificações e burlas várias e o grande lesado é o Estado português. Acresce que a justiça e a imprensa germânicas vêm demonstrando que as empresas em causa têm recorrido por sistema à corrupção para lograrem contratos destes em todas as latitudes, não só em Portugal. Além de moralizador, o impacto poderia ter também efeitos equilibradores relativamente ao preocupante “superavit” externo que a Alemanha vem cultivando à custa dos “deficits” dos seus parceiros da zona euro. E, pelos vistos, à custa de exportações propulsionadas sistematicamente por subornos e esquemas criminosos.

(Artigo publicado no JORNAL DE LEIRIA de 8 de Abril de 2010)

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