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11 de junho de 2008

Seis décadas de conflito 

Por Vital Moreira

Comemoram-se agora os sessenta anos de Israel, que o país justamente celebra. Infelizmente, para além de uma história de sucesso de soberania e de "state building", os festejos israelitas têm como contrapartida a amarga memória e experiência da tragédia palestiniana.

Criado com a bênção das Nações Unidas pouco após a Segunda Grande Guerra, não se pode contestar a legitimidade do Estado de Israel, quer no plano do Direito Internacional, quer no plano dos factos políticos. Apesar da compreensível oposição árabe ao seu nascimento, Israel tem um direito inatacável à existência e à sua segurança, incluindo a sua defesa por meios militares, como ocorreu mais de uma vez. Contudo, nem a soberania nem a defesa do Estado judaico podem justificar, nem muito menos fazer esquecer, seis décadas de expansionismo territorial e de opressão sobre os palestinianos, expropriados das suas casas, das suas terras, da sua liberdade e do seu direito a construir o seu próprio Estado nas fronteiras internacionalmente reconhecidas.

A construção de Israel como Estado étnico e religioso foi logo no começo feita à custa da população árabe do território, vítima de violência oficiosa e oficial e de expulsão maciça das suas terras, forçada a uma diáspora sem muitos paralelos na História, reduzida na maior parte ao estatuto de refugiados nos territórios vizinhos (desde logo na Cisjordânia), muitas vezes em condições infra-humanas. Tudo piorou a partir da guerra de 1967, na sequência da qual Israel ocupou toda a Palestina, incluindo a faixa de Gaza, a Cisjordânia e Jerusalém Oriental, situação que tem permanecido até agora, apesar da sua patente ilegalidade à luz do Direito Internacional e da sua reiterada condenação pela mesma comunidade internacional à qual Israel deve a sua legitimidade como Estado.

Além de violar repetidamente as suas obrigações como "potência ocupante", Israel tem procedido a um extenso programa de colonização judaica dos territórios ocupados, em especial da Cisjordânia e de Jerusalém Oriental, culminando o desprezo pelo Direito Internacional com a incorporação oficial de Jerusalém no seu território e com a construção de um muro bem dentro dos territórios ocupados, separando as áreas colonizadas do demais territórios da Cisjordânia. Apesar de condenado pelo Tribunal Internacional de Justiça, Israel ignorou o veredicto com toda a displicência e arrogância.

Desde então, a história da ocupação israelita dos territórios palestinianos é uma lamentável crónica de resistência à ocupação e de retaliações militares, de terrorismo palestiniano e de contraterrorismo israelita, com muita sangueira e perda de vidas humanas, sem honra nem glória para Israel, sem libertação nem dignidade para os palestinianos.

Não podendo estar em causa a soberania de Israel, a solução para o conflito israelo-palestiniano só pode consistir na coexistência de dois Estados, criando um Estado palestiniano nos territórios ocupados, na base das instituições da Autoridade Nacional Palestiniana. Contudo, mesmo quando essa solução pareceu próxima, acabaram por prevalecer as posições mais radicais, que recusam qualquer compromisso, designadamente as que em Israel continuam a combater pela ideia do Grande Israel e pela limpeza étnica de toda a Palestina e as que do lado palestiniano continuam a recusar em absoluto o reconhecimento da existência do Estado judaico.

A verdade, porém, é que existe uma enorme desigualdade de armas nesta contenda. Sem ter a força da razão, Israel não hesita em recorrer à razão da força; por sua vez, tendo a seu favor o direito ao fim da ocupação e o direito à soberania sobre as suas próprias terras, os palestinianos não têm nenhuns meios de fazer valer esses direitos.
É por isso que é especialmente censurável a má-fé negocial de Israel e a parcialidade pró-israelita das grandes potências, especialmente os Estados Unidos e a União Europeia. Quanto a Israel, embora declare estar disponível para aceitar um Estado palestiniano, faz tudo descaradamente para inviabilizar um tal Estado, através da contínua colonização de mais territórios ocupados, sem falar na construção do muro de divisão da Cisjordânia. Do lado das grandes potências, embora apadrinhem a solução dos dois Estados, adoptam uma flagrante política de dois pesos e duas medidas, uma de apoio incondicional a Israel no campo político e material e outra de sistemática complacência com a opressão nos territórios ocupados e com a inviabilização prática de qualquer Estado palestiniano.

Não se pode, por um lado, impor aos palestinianos uma prévia declaração unilateral de reconhecimento de Israel - seu único trunfo nas negociações - sem que Israel declare simultaneamente um compromisso de libertação dos territórios ocupados e de reconhecimento do Estado da Palestina. Não se pode exigir sistematicamente aos palestinianos que abdiquem em bloco de todos os seus agravos e direitos históricos (refugiados, Jerusalém, fronteiras) sem exigir a Israel o sacrifício de nenhum dos seus interesses, mesmo os mais ilegítimos, como os ganhos territoriais e a incorporação de Jerusalém Oriental.

O único e reiterado argumento legítimo de Israel é a sua segurança. Mas independentemente de saber que perigo real é que poderia significar um Estado palestiniano pobre e altamente vigiado para uma potência militar como Israel, é evidente que a experiência internacional, mesmo na região, mostra como é possível encontrar soluções suficientemente fiáveis para tranquilizar Telavive, como a interposição de uma zona-tampão a cargo de forças internacionais, como sucede actualmente na fronteira israelo-libanesa. Os Estados Unidos e a UE dariam bem melhor emprego ao dinheiro dos seus contribuintes na manutenção de uma tal força de paz e no fim do conflito, do que no sustento directo e indirecto da interminável, e opressiva, ocupação israelita.

Publico, 3ª feira, 20 de Maio de 2008

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