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28 de julho de 2006

Médio Oriente: novo, talvez. Mas melhor? 

por Ana Gomes

Atingimos novos patamares de desumanidade e ilegalidade neste mundo ao avesso, onde a super-potência respalda o bombardeamento de civis inocentes e as restantes potências democráticas mal se fazem ouvir e tardam a agir.
Depois de semanas de punição colectiva em Gaza e no começo da brutal e desproporcionada destruição do Líbano, a 13 de Julho, reuni em Atenas com israelitas e palestinianas que constituiram, com apoio da UNIFEM, uma comissão (IWC) pela resolução do conflito israelo-palestianiano. Umas e outras negam a tese de que não há na Palestina parceiro com quem Israel negoceie. Umas e outras preveniam sobre o tsunami bélico em preparação. Umas e outras sabem, pelo sofrimento dos seus povos, que não há solução militar para o conflito e por isso uniram-se a exigir imediato cessar-fogo, rápida intervenção internacional para proteger as populações civis e retorno ao diálogo político. Poucos fizeram caso. Mas foi isso que a Sra. Rice, quisesse ou não, teve de discutir entre Beirute, Jerusalem e Roma esta semana.
Entretanto a ofensiva israelita avançou por terra. E cresceu o desconforto nos partidos Trabalhista e Kadima: o consenso israelita sobre as virtudes duma «resposta robusta» ao ataque do Hezbollah não abarca a invasão terrestre do Líbano. Começou a reconhecer-se o óbvio: que Israel não vai conseguir derrotar o Hezbollah pela via militar.
Quais deverão ser, então, os elementos de uma solução diplomática, quando quer que se lá se chegue?
Israel exige o retorno dos dois soldados capturados e o fim da presença militar do Hezbollah no sul do Libano. Isto implica desarmar o Hezbollah, como ordena a resolução 1559 do Conselho de Segurança (tivesse Telavive empenho em cumprir outras, como as 242 e a 338...), e acabar com o apoio material da Síria e Irão. Por outro lado, Israel já aceita uma missão internacional no sul do Libano, a ter de controlar fronteiras, aeroportos e portos para por fim aos fornecimentos ao Hezbollah. E é apenas questão de tempo que Israel liberte prisioneiros em troca dos soldados capturados, pois não são sérios os argumentos que justificam a destruição do Líbano e Gaza a pretexto de que Israel não negoceia com terroristas e não troca prisioneiros: como sublinhavam as israelitas em Atenas «Israel já trocou prisioneiros com o Hezbollah...e até por cadáveres».
Quanto à posição negocial do Hezbollah, ela é mais vaga: como fazer concessões quando se tem por objectivo final destruir Israel? Mas, tal como a invasão israelita do Líbano em 1982 levou à criação do Hezbollah, no dia em que Israel voltar a retirar-se, a «resistência» tende a perder razão. Foi a retirada em 2000 que levou a Siria a «transferir» a zona das Sheba'a Farms (disputada desde 1967) para o Líbano, ajudando assim o Hezbollah a manter-se como frente politico-militar autónoma de Beirute.
Quanto à Siria, não foi por acaso que no diálogo de Bush com o seu «Yo Blair», Damasco veio à baila. A Siria vai ter de ser incluida no processo negocial. E por isso tem tido o cuidado de fazer ver que não se deixará sacrificar pelo Hezbollah. Segundo um observador israelita, «a Siria lutará contra Israel até ao ultimo libanês». Com desconcertante candura, o Vice-MNE sirio disse-se disponível para dialogar com os EUA, precisando que «o Hezbollah só poderá ser desarmado se um acordo de paz devolver terras árabes ocupadas por Israel em 1967» (isto é, se Israel devolver os montes Golã à Siria).
Não será, assim, de espantar se, sobre os escombros martirizados de Beirute, se vier a forjar uma nova ordem regional, com forças internacionais a garantir a segurança de Israel e do Líbano, o Hezbollah transformado em partido convencional, e em que negociações (mediadas por França ou Turquia) ponham fim à «guerra morna» entre Jerusalem e Damasco.
O pragmatismo sírio indicia que talvez até seja possível isolar mais o regime iraniano que, sem Damasco, terá dificuldades em continuar a usar o Hezbollah como agente do radicalismo expansionista xiita. Egipto e Arabia Saudita, sunitas, poderão dar uma mãozinha...
Um novo relacionamento entre Israel e a Siria pode também ajudar a reatar o processo de paz israelo-palestiniano - principal vítima na região. E até pode ser que, para «compensar» o Hamas, se começe a perceber a vantagem de incluir na mesa das negociações as mulheres de ambos os lados.
Enfim, do sofrimento obsceno dos inocentes nesta guerra talvez venha a brotar, a prazo, algum bom senso. Mas, o afluxo de jovens em todo o mundo islâmico (incluindo na Indonésia, de onde escrevo) a engrossar as fileiras da «jihad» por causa das imagens de Gaza e do Líbano, demonstra ominosamente que quem, para já, esfrega as mãos de contentamento é a Al Qaeda.
Um Médio Oriente novo, talvez, diz a Sra. Rice. Mas, à semelhança do Iraque, nada garante que melhor.

(publicado no COURRIER INTERNACIONAL, edição de hoje, 28/7/06)

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