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13 de maio de 2006

CONGO : teste à Europa 

Congo: teste à Europa

A República Democrática do Congo (RDC) coloca desafios tremendos à comunidade internacional. Do tamanho da Europa Ocidental e partilhando fronteiras com nove países, entre eles Angola, Sudão e Ruanda, a RDC foi palco de uma guerra pan-africana entre 1998 e 2002 que envolveu vários vizinhos - a mais sangrenta desde a II Guerra Mundial, com quatro milhões de mortos, sobretudo civis. As Nações Unidas têm na RDC a MONUC, a maior missão de manutenção da paz da história, com 17 000 efectivos. Mas o poder central continua inexistente em províncias inteiras, onde incontáveis milícias continuam a pilhar e a matar.

A ONU pediu à União Europeia que enviasse para a RDC uma força militar para reforçar a MONUC, durante as eleições que terão lugar em Junho ou Julho. O Conselho de Segurança já determinou o mandato.

São eleições essenciais para viabilizar a transição de um país "governado" por senhores da guerra para uma ordem constitucional. Do sucesso desta transição depende a estabilidade de toda a África Central.

O que a ONU e o processo de transição na RDC exigem é uma missão que dissuada quaisquer forças políticas que, saindo derrotadas do processo eleitoral, tenham a tentação de mergulhar a RDC numa nova guerra civil.

E é aqui que começa um novo teste à Europa.

O conceito operacional em discussão entre os parceiros europeus prevê apenas 400 homens no terreno, em Kinshasa, e alguns no Gabão. A maior parte da reserva ficará na Europa. A pergunta que muitos fazem é simples: como é que cerca de 500 homens na região e talvez 800 na Europa podem servir de dissuasão num país da dimensão da RDC? Os soldados no terreno terão uma capacidade de resposta muito limitada e, em caso de ataque, arriscam-se a ser neutralizados. Convém lembrar o triste exemplo de Srebrenica: enviar para a RDC um destacamento anémico, sem capacidade de dissuasão, é muito perigoso. A missão será então de utilidade duvidosa. Resta esperar que não acabe por ser fatal - para os soldados europeus no terreno, para os congoleses que confiam na ajuda da Europa e para o futuro da Política Europeia de Segurança e Defesa (PESD).

Enquanto a Europa não for capaz de mobilizar vontade política e recursos mínimos para contribuir de forma visível e eficaz para a estabilidade e a paz em África, não há ambições globais europeias que resistam.

Na RDC, pela experiência que os militares portugueses têm de Africa, incluindo da cooperação bilateral com Angola, Portugal pode prestar uma contribuição operacional de qualidade e valor específicos, numa missão cujo comando caberá à Alemanha. Mas, apesar de a imprensa internacional referir uma contribuição portuguesa na ordem dos 100 homens, os números anunciados na Assembleia da República desiludem. Se se confirma que Portugal não consegue mobilizar mais do que um avião C-130 e dois simpáticos cidadãos de uniforme para esta missão, então a tão apregoada lusa 'vocação africana' não passa de um patético mito.

Claro que a crónica falta de meios não explica tudo: convinha que em Lisboa governantes, parlamentares, diplomatas e militares realizassem que os EUA - e, logo, a NATO - não estão interessados na África Subsahariana. "It's your baby!" disseram em Washington sobre a RDC a Aldo Ajello, Representante da UE para a região dos Grandes Lagos.

Desenganem-se, portanto, aqueles que julgam que o fracasso da UE nesta região reverterá em favor da relação transatlântica. A credibilidade da Europa como actor global - dentro ou fora da NATO - depende do sucesso da PESD, em geral, e desta missão na RDC em particular.


(publicado na VISÃO em 4 de Maio,2006)

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